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OPINIÃO: O enluarado botequinho do meu amigo

Bicho Raro

Não me joguem porta afora, por favor!
Não estou importunando vossa festa
Deixai-me aqui, bebendo sossegado,
Adianta saber quem presta, quem não presta?

Todos são iguais nas vestes, no perfume
Nas joias e no andar empavonado
Só eu, com minhas vestes maltrapilhas
Não passo de um intruso embriagado.

Olham-me com desdém impressionante
Como se eu fora um bicho raro, doutro mundo,
Então o último e nojento vagabundo.

Essas mulheres granfinas, arrogantes
- Que até parecem grávidas de algum rei -
Não imaginam que por último rirei!

Enluarado Botequinho é um livro de poemas, com versos livres e sonetos que nem o Bicho Raro, que o Zanatta entregou aos pósteros antes de partir para o alumbrado céu de Aldebarã. Os originais já estavam com o Byrata para publicação pela Editora Rio das Letras, após, talvez, uma última revisão do poeta, sempre meticuloso com as palavras.

Sei disso porque ele me pediu que fizesse alguns apontamentos que julgasse pertinentes, e, depois, o prefácio. Só por esse detalhe já se vê a dimensão da generosidade do meu amigo. Ora, quem sou eu, um escondido escriba interiorano, para prefaciar ou, o que é pior, corrigir sequer o verso mais acanhado de uma obra assinada por um dos mais completos literatos do nosso Estado. Poeta consagrado, de uma verve incomum, letrista de clássicos do nosso cancioneiro nativo - Tropa de Osso é só um deles -, advogado, professor de jornalismo e cronista refinado, o filho ilustre de Taquaruçu do Sul era completo nos quesitos prosa, poesia e letra musical.

Fui enrolando o que deu, rogando de mãos postas que escolhesse outro nome mais qualificado para fazer o preâmbulo, mas o Zanatta embestou que tinha que ser eu, talvez guiado muito mais pela minha intimidade com os botecos do que com as palavras.

Púlpito dos loucos de atar, dos bêbados amorosos, das mulheres namoradeiras do luar, os bares são igrejas de uma mesma religião, de um só Deus, onde todos professam o inefável mantra da conversa jogado fora e do ócio lúdico. Com o velejar do tempo cheguei à certeza de que não adianta o sujeito ter doutorado, ser catedrático e não cumprimentar o garçom que lhe presta vassalagem. É um humano por metade, pois lhe falta a sagrada virtude da humildade.

Ainda não foi inventado um palco mais apropriado para celebração da vida do que uma mesa de bar, e seria lógico imaginar que ninguém conseguiria falar de botequim sem ser um inveterado habitante das tavernas. Pois o Zanatta, um ex-seminarista, e que nunca foi tão boêmio assim, que bebia pouco e se recolhia cedo, conseguiu traduzir o sentimento nostálgico dos notívagos mais renitentes em seu Enluarado Botequinho. Fiquei curioso para saber o nome do santo que baixou no homem para fazer poesia com tamanha qualidade sem conhecer mais de perto o cenário que lhe inspirou. Deve ser um daqueles parceiros de "copo e de cruz" a quem a gente oferece o primeiro gole antes de abrir os trabalhos...

Engana-se quem acha que Humberto Gabbi Zanatta desapareceu para sempre. Não morre nunca quem saiu por aí dividindo cantos e um sorriso que de tão amável parecia ter sido esculpido pela dona felicidade, a contemplar o encortinado da madrugada sonora e linda debruçado à janela de algum enluarado botequinho.

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